Economia
Projeto da Ferrogrão enfrenta impasse por questão indígena
Indígenas reclamam por não terem sido consultados sobre o projeto da ferrovia e por falta de acesso a estudos ambientais.
O projeto de concessão da ferrovia Ferrogrão, uma das principais apostas do Brasil para escoar parte da produção agrícola e de outros insumos, está ameaçada por um pedido feito pelo Ministério Público Federal (MPF) e por organizações da sociedade civil ao Tribunal de Contas da União (TCU) sobre uma consulta a indígenas.
A ferrovia foi projetada com mais de 900 quilômetros nos quais produtos agrícolas do Centro-Oeste serão transportados até os canais de exportação do Norte, além de ser um importante meio para importação de fertilizantes e derivados de petróleo.
São grandes as expectativas de investimento das principais tradings do setor de grãos brasileiro na concessão, que vai destruir áreas de florestas na região amazônica. O empreendimento ligará o norte do Mato Grosso a Itaituba, nas margens do rio Tapajós, no Pará.
“Todos (os indígenas) estão contra porque não fomos consultados sobre como vai ser esse plano, a gente não teve conhecimento de estudos ambientais”, disse o índio Beptuk Metuktire, neto do famoso cacique Raoni e pertencente à etnia Kayapó.
Em agosto, um techo da BR-153 no Pará foi alvo de protestos de indígenas da etnia Kayapó, movimento que foi realizado justamente por causa da construção da ferrovia e trouxe prejuízos escoamento de grãos. Com construção da Ferrogrão, a promessa é de desafogar o tráfego na região.
Agora o MPF solicitou ao TCU a proibição da licitação da Ferroarão até que o governo consulte previamente povos indígenas a respeito de sua opinião sobre o empreendimento.
Em audiência pública realizada em dezembro de 2017, o então presidente da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), Alexandre Porto, assegurou que o governo iria obedecer uma convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que exigiria a permissão de comunidades tradicionais sobre os efeitos da ferrovia, de acordo com o Ministério Público, que acrescentou que posteriormente esse item foi reiterado em documento do processo de concessão.
Mas consultas nunca foram realizadas, havendo inclusive uma recusa para assim proceder, segundo o MPF. Em 13 de julho, o governo enviou ao TCU para análise do processo de concessão da Ferrogrão para publicação do edital.
Segundo Metuktire, há mais de três anos o governo planeja essa ferrovia, e a linha férrea vai afetar índios e caminhoneiros, que terão o fluxo de transporte de cargas reduzido na BR-163. Ele afirmou que já houve reunião e carta de repúdio ao plano do governo.
“Nós estamos fazendo a nossa parte de defender os nossos direitos, mas o que está faltando muito é ter diálogo com as autoridades, deputados e outras pessoas”, afirmou.
O procurador da República Felipe de Moura Palha e Silva, que também assina a representação ao TCU, afirmou que o grande conflito que existe é sobre o momento de realização da consulta às comunidades tradicionais que serão possivelmente afetadas pela ferrovia.
O procurador afirmou que a consulta tem de ser feita ainda na etapa de planejamento para que os povos indígenas possam são sugestões ao projeto ou até mesmo colocar em cheque sua viabilidade. Segundo o MPF, o empreendimento pode impactar 48 territórios indígenas.
“Nesta fase prévia, é que devem ser discutidas com os povos, realizada a consulta prévia para que esses custos de eventuais compensações ambientais e de comunidades ambientais sejam levados em conta, porque da forma como se está sendo feito o risco está sendo empurrado para a frente, com risco grande de quem tenha que assumir isso no futuro seja a União”, disse ele.
A assessoria de imprensa do TCU afirmou que o pedido do MPF é tema de um processo sob relatoria do ministro Aroldo Cedraz e que ainda não foi apreciado pelo tribunal.
Já a assessoria de imprensa do Ministério da Infraestrutura garantiu que não se nega a consultar os povos como alega a Procuradoria da República.
A “consulta a povos indígenas será realizada durante a fase de licenciamento ambiental do empreendimento”, disse a pasta, citando previsão da OIT.
“No entanto, a pandemia da Covid-19 tornou a consulta presencial aos povos indígenas um desafio, uma vez que o acesso às terras indígenas está proibido por questões sanitárias. Para contornar essa dificuldade, o Ministério da Infraestrutura e a EPL (Empresa de Planejamento e Logística) estão estudando junto à Funai a forma de realizar a consulta diante das restrições”.
A ferrovia “não corta ou margeia” nenhuma terra indígena, acrescentou o ministério.
De acordo com o ministério, povos indígenas, como os Munduruku, serão consultados no âmbito do processo de licenciamento.
Segundo o ministério, as terras indígenas Mekrangnotie e Baú, pertencentes ao povo Kayapó e Panará, possuem distância da Ferrogrão bem acima dos limites estabelecidos pela Portaria Interministerial nº 60, de 24 de março de 2015, sendo que o ponto mais próximo está a aproximadamente 30 km de distância.
No momento, o cenário é de impasse sobre a hora de realizar a consulta dos indígenas. Ainda não há uma resposta final do judiciário brasileiro sobre quando ela ocorrerá, seja de cortes superiores, seja do próprio TCU, segundo o procurador.
Ainda de acordo com ele, existem precedentes favoráveis à consulta a comunidades indígenas na fase de planejamento na corte de segunda instância que inclui Estados pelos quais a ferrovia passará, o Tribunal Regional Federal da Primeira Região (TRF-1).
Há pouco tempo, o Tribunal de Contas do Estado do Pará tomou decisão semelhante ao analisar o caso da Ferrovia Paraense (Fepasa).
A alegação de que o MPF é contra a obra foi contraposta por Felipe de Moura Palha e Silva, que afirmou que a instituição nunca é contra obras de desenvolvimento, mas quer impedir que o custo e o impacto do empreendimento sejam maiores do que o necessário, e o retorno ao país menor do esperado. A exemplo disso, ele citou usina hidrelétrica de Belo Monte (Pará), que enfrentou várias barreiras antes do início de seus operações.
“A gente quer que regras sejam obedecidas e que a população não pague um preço e que grupos econômicos não sejam privilegiados. Queremos desenvolvimento para todo o povo”, finalizou.
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