Economia
Nova ‘ONS’: pretexto para nova intervenção federal nos combustíveis?
Rechaçada por especialistas, ideia contraria lógica do mercado, de livre concorrência de preços
Estatista e centralizador por natureza, o Executivo federal está ‘parindo’ mais um órgão público (mais um cabide de empregos?) encarregado de contrariar a lógica do mercado: o controle de preço dos combustíveis, o que produziu uma onda de temor generalizado por parte de especialistas do setor energético nacional.
Já batizada de “ONS dos combustíveis”, a ideia ‘genial’ foi anunciada, nessa segunda-feira (30), pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, que pretende criar uma entidade de direito privado, com participação direta do governo, cuja missão fundamental é fazer o monitoramento dos repasses de reajustes da Petrobras às suas distribuidoras e aos postos de combustíveis.
Fora a ‘fachada’ de argumentos, como combate a fraudes, práticas abusivas e condutas contrárias às regras de mercado, o temor de analistas é no sentido de que a iniciativa sirva de pretexto para intervenções federais, visando o controle do preço final nas bombas, ‘ferindo de morte’ a livre concorrência.
Segundo Silveira, o próximo passo da agenda palaciana seria o envio, ainda sem prazo definido, de um projeto de lei ao Congresso Nacional, que prevê a criação do Operador Nacional do Sistema de Distribuição de Combustíveis (nos moldes do Operador Nacional do Sistema elétrico, ONS), com o prévio ‘sinal verde’ do chefe e mandatário.
“O ONS é para a Aneel [Agência Nacional de Energia Elétrica] o que nós queremos que esse operador que vamos criar seja para a ANP [Agência Nacional de Petróleo]. Uma atuação complementar a fim de que possamos ter segurança de que, toda vez que a Petrobras (PETR4) ou qualquer outra fornecedora, importador ou as refinarias privadas abaixem o preço, essa queda chegue ao consumidor. E nós sabemos que a ANP tem limitações para poder fazer essa fiscalização hoje”, justificou o ministro. Além do foco na utilização de instrumentos jurídicos ou administrativos para controlar os preços dos combustíveis, o novo órgão também atuaria na fiscalização da regularidade tributária, qualidade e estoques.
Fazendo coro à intervenção federal no setor, o presidente do Instituto Combustível Legal (ICP), Emerson Kapaz, aprovou a iniciativa que, segundo ele, serviria para reduzir a comercialização irregular no setor. Alinhada ao discurso do Planalto, a entidade entende ser necessário ampliar o combate e a fiscalização de fraudes fiscais de produtos no setor de combustíveis, que vem registrando expansão significativa nos últimos anos.
“Temos visto um aumento de autuações e apreensões de combustíveis adulterados, especialmente com metanol, um produto tóxico que pode causar cegueira e levar até a morte. Já fizemos quatro reuniões com o governo para garantir o combate a esses crimes tributários e de qualidade e quantidade do setor”, endossou Kapaz que, no entanto, admite a preocupação que o novo órgão sirva, como no passado, para promover nova intervenção nas margens e preço dos combustíveis.
“Somos favoráveis à criação de uma ‘robusta’ central de monitoramento de combustíveis para evitar fraudes tanto operacionais quanto fiscais. Porém, hoje o país tem cerca de 43 mil postos de combustíveis que disputam a preferência do consumidor e trabalham em livre concorrência. Isso não pode mudar”, alertou.
Até mesmo a similaridade forçada com a ONS do setor elétrico pelo governo é motivo de estranheza para o diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (Cbie), Pedro Rodrigues, que considera ‘incomparáveis’ os dois setores. “O ONS tem uma função específica dentro do setor elétrico, que tem como característica ser um monopólio natural, dada à característica do setor e a forma como este é remunerado, por meio de uma tarifa pública fixada. O ONS é responsável por operar esse sistema. O mercado de combustível é totalmente diferente. Talvez seja mais comparado ao mercado de cerveja, ou varejo. É um mercado que tem preços livres”, corrige.
O eventual controle ou tabelamento de preços também preocupa Rodrigues, ao questionar: “Esse órgão vai fiscalizar o revendedor e qual a margem que o revendedor está tendo aquele litro? É muito difícil você pensar numa coisa diferente que não seja algum tipo de intervenção nos preços maior ou menor, quando se fala na criação de um órgão que vai fiscalizar o mercado livre de preços”.
Por fim, o presidente da Cbie espera uma resposta convincente do governo quanto à necessidade de montar uma superestrutura administrativa para fiscalizar os quase 50 mil postos de combustíveis do país, o que demandaria custos milionários, a serem regiamente financiados pelos impostos dos consumidores, ‘para variar’.
“O Brasil já tem a ANP, os Procons, o Cade, agências e órgãos estaduais. Precisa de outro órgão para fiscalizar? Quando se cria mais uma entidade, aumenta o custo de transação do setor, porque esse órgão vai ter que ser pago de alguma forma”, conclui o dirigente do Cbie.
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