Economia
Apertado por juros e inflação, consumidor prefere o ‘velho’ crediário
Tendência é apontada em pesquisa sobre endividamento, realizada pela CNC em janeiro último
Quem diria que, em tempos de alta tecnologia, o velho crediário é que faria a diferença no século 21. Acossado por juros exorbitantes e crescentes, inadimplências frequentes e restrições bancárias para concessão de financiamentos, o consumidor nacional recorre novamente ao secular sistema de crédito, formulado pela loja ou prestadora do serviço.
Varejistas em prontidão – Sem perder tempo, grandes varejistas, como Casas Bahia e Lojas Americanas (AMER3) já lançaram as respectivas alternativas digitais, em correspondência ao ‘revivido’ crediário.
Endividados preferem – A tendência é confirmada por pesquisa sobre endividamento, elaborada, em janeiro último, pela Confederação Nacional do Comércio (CNC), sob a pergunta central: “Mas quem ainda usa carnê?”, para a qual 20,7% dos consultados admitiram ter obrigações com pagamento de carnês. Um ano antes, esse grupo respondia por 16,8% do universo total. O patamar do mês passado é considerado o maior da série, depois dos 21,5% atingidos em fevereiro de 2013.
Binômio perverso – A opção preferencial pelo tradicional crediário, porém, é o efeito natural do binômio perverso inflação-juros altos, em favor do conceito “buy now, pay later” (compre agora e pague depois), muito comum nas estratégias adotadas pelas fintechs.
Mais acessíveis – Com o avanço dos preços detonando o poder aquisitivo, resta recorrer às condições mais acessíveis dos crediários, em lugar do impeditivo limite do cartão de crédito. Tal mentalidade é reforçada pela escalada da taxa básica de juros (Selic), hoje em 10,75% ao ano, com previsão de superar os 12% ao ano, em dezembro próximo.
Migração deve continuar – Confirmando a tendência, o economista da CNC, Izis Ferreira entende que essa ‘migração’ “deve continuar acontecendo, ante um cenário de inflação mais alta e juros crescendo no mercado”, ao destacar, ainda, “os investimentos de grandes redes no aprimoramento dos mecanismos de análise de crédito”.
Histórico completo – Segundo Ferreira, os grandes varejistas “possuem informação sobre o histórico [de compras e pagamentos] do consumidor na loja, o que já ajuda o varejista a oferecer modalidades de crédito mais favoráveis aos clientes”.
Opção de baixa renda – De acordo com a CNC, o carnê é ainda hoje o meio mais utilizado por famílias de até dez salários mínimos para adquirir bens. Nessa faixa de renda, 21,1% admitiram possuir obrigações relacionadas ao crediário, bem mais do que os 18,3% apontados, 12 meses antes.
Adesão geral – O curioso é que o crescimento – de 9,1%, em janeiro do ano passado, para 18,1% em igual mês de 2022 – do número daqueles que passaram a utilizar o carnê, entre famílias com renda superior aos dez mínimos.
Recorrência da compra – Na visão dos comerciantes, a retomada da prática é muito favorável, uma vez que é costume desse tipo de cliente retornar e fazer novas compras pelo mesmo sistema de financiamento, a juros mais acessíveis – a chamada ‘recorrência da compra’.
Novo crediário – Esse comportamento é confirmado pelo diretor de crédito e cobrança da Via (VIIA3) – dona da Casas Bahia e Ponto (antiga rede Ponto Frio) – Vital Leite, ao revelar que, dos clientes com contratos de crediário no terceiro trimestre de 2021 (3T21), a metade é considerada recorrente, ou seja, aqueles que fazem novo crediário em até 24 meses, a contar do pagamento do último contrato. Leite acrescenta o dado de que “30% das compras nas lojas físicas são pagas no crediário, quando “há dois anos esse número era inferior a 14%”, diz o executivo.
Juros proibitivos – Apesar da sensação de ‘agradável deja vu’ – algo conhecido e revisitado – o crediário, como todo sistema de crédito, pode esconder surpresas, como um custo embutido na operação. Segundo o Banco Central (BC), em dezembro último, as taxas de juros do crédito pessoal eram de 85,2% ao ano ou 5,27% ao mês.
Tendência crescente – Em que pese o custo do dinheiro, a combinação de juros elevados-inflação idem com grande apetite de varejistas pelas vendas tende a continuar crescendo, afirma o professor de macroeconomia da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis (Fipecafi), Silvio Paixão. “O sistema de avaliação de crédito é mais flexível por parte dos varejistas [na comparação com bancos], que usam o pagamento das prestações como uma forma de gerar novas compras”, conclui.
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