Brasil: um país de superendividados

“Então, gente, estamos precisando de ajuda. O mês passado pagamos alguns exames da Maria, e as coisas saíram do controle… Não podemos pagar parte do aluguel, nem a luz e nem a água. Estamos pedindo ajuda para pagar contas atrasadas.”

Milhões de brasileiros já começaram 2022 severamente endividados e o exemplo disso é Jaqueline Alves, 31 anos, moradora de Canos, região metropolitana de Porto Alegre que fez esse apelo em uma rede social.

“As contas desse mês, provavelmente vamos deixar atrasar, mas o importante é pagar as mais antigas para não ficarmos sem teto, água e luz… O amanhã, Deus proverá!”, disse ela.

Jaqueline é casada e tem três filhos, sendo que a caçula possui uma doença rara.

A família só conta com uma renda, que possui gastos frequentes com a saúde da caçula, e uma aposentadoria de um salário mínimo que seu marido recebe por também possuir uma deficiência.

Uma parte acaba indo para o banco assim que chega na conta, para quitar as parcelas de empréstimos passados, que tem a pensão como garantia. Sobra um pouco mais de R$ 700 para sustentar toda a família no mês.

Jaqueline possui faturas de diversos cartões de crédito atrasadas, e somado com as contas da casa, a dívida já passa de R$ 20 mil.

“Os cartões acabam virando um meio de a gente pagar as contas”, diz.

“A gente precisa às vezes comprar um remédio, compra no cartão, aí chega à fatura, nem sempre a gente consegue pagar o mínimo, e vira uma bola de neve. A gente vai empurrando, pagamos as mais antigas e deixamos as mais novas para depois. Mas nunca conseguimos sanar as dívidas por completo.’’

O casal está dependendo da contribuição de amigos e familiares desde o nascimento de sua última filha.

“Mas, agora, com essa crise que está aí, não estamos conseguindo mais arrecadar os valores para manter as nossas contas em dia. Até a solidariedade chega um ponto que não chega a tempo. Porque não é que está difícil só para a gente, está difícil para quem ajuda também”.

O caso de Jaqueline é extremo, porém, o endividamento e a inadimplência vêm avançando sobre os brasileiros e já é uma realidade em todo o país.

O endividado é aquele que possui um compromisso financeiro, mas paga em dia, já o inadimplente é aquele que possui um compromisso mas não consegue fazer o pagamento.

As famílias endividadas e inadimplentes brasileiras vêm batendo recordes desde o ano passado e alcançaram seu maior patamar em 12 anos.

A inadimplência deve crescer ainda mais em 2022 devido ao aumento dos juros e do fim de medidas emergenciais criadas na pandemia para auxiliar os endividados.

E agora que a guerra na Ucrânia começou, ocorre uma piora no aumento da inflação e reduz a renda das famílias disponíveis para conseguir honrar suas contas.

Paulo Guedes, ministro da Economia, ao final de fevereiro, informou que o Governo Federal estuda a viabilidade para liberar recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para auxiliar as famílias endividadas, porem ainda não disponibilizou um calendário.

Endividamento recorde

O nível médio de endividamento em que as famílias brasileiras se encontram bateu recorde ao longo de 2021, chegando a 70,9%, o que significa o maior valor até agora, conforme a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC).

Em dezembro era 76,3%, um recorde histórico. Já em fevereiro, deste ano, o recorde foi quebrado e alcançou 76,6%.

“O endividamento foi acelerando ao longo do ano passado”, disse a economista da CNC, Izis Ferreira. E acrescentou: “Nunca tínhamos tido na série histórica que começa em 2010 que foi um ano em que o endividamento cresceu tão rápido.’’