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Economia

Famílias de vítimas de choques em postes no Brasil buscam respostas após tragédia no Rio

Na cidade do Rio de Janeiro foram quatro casos em 2019 e três na primeira metade de 2020.

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Munidos de equipamentos para medições, câmeras e capacetes, técnicos circulavam pelo centro e Zona Sul do Rio de Janeiro no início da quarentena analisando postes de iluminação pública, buscando pontos de risco que pudessem causar choques elétricos até fatais em caso de contato com pessoas.

Contudo, a auditoria foi paga por um engenheiro, e não comandada por autoridades municipais e nem pela estatal responsável pelos serviços locais de iluminação. Quatro anos atrás, Rubens Kuhn descobriu que o simples ato de encostar em um poste ainda é a causa da morte de muitas pessoas no Brasil, principalmente mulheres e crianças, mais frágeis frente ao impacto da eletricidade.

Em 2013, depois de dez anos no exterior, Kuhn voltava ao Brasil  com a esposa, a polonesa Magdalena Rosa, que logo após chegar ao país foi fatalmente eletrocutada em luminária elétrica em uma noite de chuva na região central do Largo do Marchado.

O desastre foi ainda mais traumático para o engenheiro porque Magdalena, com 32 anos, estava grávida de cinco semanas. Depois de sua morte, ele começou uma luta particular para dar visibilidade às mortes causadas pelos problemas com postes.

“Eu não quero vingança, porque ela já se foi, isso não traria ela de volta. Mas eu quero mostrar os riscos, a negligência. Eu sei que pode acontecer de novo, eles sabem”, explicou.

Kuhn conseguiu nos tribunais uma indenização de 2,4 milhões de reais contra a responsável pela manutenção dos postes de iluminação no Rio de Janeiro, a municipal RioLuz, mas segue em batalha judicial nos âmbitos criminal e cível.

Foi a maior indenização de morte não trabalhista da história do Brasil, diz o engenheiro, que agora usa esses recursos para custear os esforços de sua causa, como a contratação da auditoria e advogados e outros assessores.

O especialista em iluminação pública Edson Martinho, diretor da Associação Brasileira de Conscientização para os Perigos da Eletricidade (Abracopel), que trabalha com o tema há mais de duas décadas, disse que o caso é comum. “Na verdade isso infelizmente é mais comum do que a gente pensa, acontecem vários casos”.

São 160 vítimas fatais de acidentes com postes e grades metálicas no Brasil desde 2015, aponta levantamento da Abracopel. Foram 38 em 2019, com 17 casos só em postes no primeiro semestre de 2020, quando a entidade começou a contar em separado essas ocorrências.

Só a cidade do Rio de Janeiro registrou quatro casos em 2019 e três no primeiro semestre de 2020.

Um deles era o garoto Fabio Carvalho, de 18 anos, que era estagiário e já sustentava a casa junto com a mãe, que trabalha como costureira. Em uma pausa durante jogo de futebol em uma quadra perto da Linha Amarela, o jovem encostou em um poste para mexer no celular.

O suor de Fabio Carvalho conduziu a eletricidade com maior força pelo seu corpo, e ele faleceu pouco depois.

“Quando ele encostou a mão no poste, levou uma descarga elétrica e ficou ali, agarrado. Foi até difícil tirar ele. Quando veio o SAMU ele já estava praticamente desacordado. Mas levaram ele ainda com vida, fizeram animação, levaram pro hospital, um hospital público, e lá ele faleceu”, disse Luiz Antonio Figueira da Silva, advogado da família.

Assim como Khun, que levou sete anos até receber sua compensação e muitos outros casos similares de demora, o advogado reclama da demora da RioLuz para indenizar as famílias.

A RioLuz não quis comentar o caso de Magdalena nem tampouco falar sobre o tema.

Onde mora o perigo

A umidade costuma estar envolvida nas fatalidades, mas crianças e mulheres têm menor resistência aos choques pela pele mais sensível e corpo menor.

“Se você me pergunta o grau de risco, eu vou te falar que é assim: se você tem um poste com problema, aí depende também de onde ele está, o risco é proporcional à quantidade de pessoas que estão perto dele, que passam ali, e quem são elas”, explicou o engenheiro que fez o levantamento no Rio de Janeiro a pedido de Khun, Humberto Fabio.

Ele analisou mais de 150 postes em nove bairros no centro e Zona Sul, mas os trabalhos foram interrompidos pela pandemia de coronavírus.

Em três postes na central Avenida Rio Branco foram constatados riscos de choques que poderiam levar à morte, enquanto vários equipamentos em outras áreas poderiam causar de formigamentos a contrações violentas em caso de toque, de acordo com os resultados da auditoria independente. A RioLuz também não comentou a análise.

“Bem sinceramente, a situação das instalações que vimos variava um pouco de bairro para bairro, mas o que causou um pouco de surpresa é que mesmo nesses bairros mais… abastados, digamos assim, havia pontos que apresentavam risco”, disse ele.

O perigo está associado a questões como falhas de aterramento e cabos energizados encostando no metal, com “fugas de energia” que tornam-se potencialmente mais arriscadas se somadas a outros fatores como umidade.

“Tem a questão da segurança. Em muitos postes o que encontramos é que foi alvo de roubo. O pessoal abre a caixinha na base, rompe o lacre para levar o cobre… e ficam pontas de fio condutor vivo expostas.”

“Eu posso encostar e tomar um choque ou não acontecer nada… mas o risco está lá, vai depender de quem está colocando a mão, como. Em um dia de chuva, se a água sobe, como foi no caso da esposa do Rubens… é fatal mesmo, água e cabo energizado não tem como.”

Os postes de iluminação pública metálicos levam a mortes quando há “fuga de corrente” nos equipamentos, e não os usados na distribuição de energia e para cabos de telefonia, em geral de concreto, afirmou o especialista Luciano Rosito, da Tecnowatt Iluminação.

“Às vezes a gente vê naqueles postes até decorativos em centros de cidades muita fiação exposta. Tem exemplos que andando pelas cidades eu me deparo. Infelizmente acontece e a gente vê essa questão, da necessidade que existe de uma maior manutenção elétrica e prevenção de acidentes”, explicou.

Mesmo depois de ter casado-se novamente e retornado para a Alemanha, onde também possui cidadania, Khun mas não esquece o drama vivido e a questão dos postes, e seu foco segue no caso de Magdalena e em vários outros semelhantes.

O engenheiro continua investigando o tema e levantando histórias parecidas com a sua, o que gerou a ideia recente de produzir um documentário sobre as histórias que conhece.

“Agora que eu sei de tudo isso, está na minha conta. Se uma pessoa a mais morrer, eu vou ficar pensando que devia ter feito mais para ter evitado.”

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