Economia
Inflação no Brasil é mais ‘perversa’ do que no resto do globo
Remarcações frenéticas de preços, perda de valor do real e crise hídrica formam tripé da carestia
Se a inflação é um problema grave para o mundo pós-pandemia, é pior no Brasil. Essa é a constatação de economistas ouvidos pelo ‘Estadão’, nessa segunda-feira (22), ao considerarem que, no país, as remarcações de preços são mais frenéticas do que no resto do globo, sem contar a desvalorização cambial e a crise hídrica.
Carestia descontrolada – Mas a carestia descontrolada não é privilégio da pátria tupiniquim. Tanto nos Estados Unidos, quanto no Reino Unido, ela vem batendo recordes, que no primeiro caso, é a mais alta desde 1990, enquanto no segundo, é a maior taxa desde novembro de 2011 e a mais alta em 13 anos na zona do euro.
Seleto grupo – Com esse resultado, o Brasil passa a integrar o seleto grupo (nada invejável) de nações com inflação acumulada acima de dois dígitos em 12 meses, conforme aponta estudo do Banco de Compensações Internacionais (BIS) – espécie de banco central dos bancos centrais.
Entre as maiores – Pela compilação realizada pelo BIS, o país figura com uma inflação de 10,7% em 12 meses, superada apenas pela taxa de 19,6% da Turquia ou a de 51,7% da Argentina.
Choque de oferta – Resultante de uma combinação considerada ‘exótica’ ou ‘atípica’, para parcela dos economistas, o fato é que a inflação, em geral, é provocada por choques, como os que se seguiram à pandemia, em que a demanda se acelerou mais rápido do que a oferta (choque de oferta), turbinando os preços.
Aperto monetário – Como alternativa, a maioria dos países têm recorrido ao aperto monetário, na tentativa de conter a expansão inflacionária. Nessa análise, porém, também devem ser consideradas outras variáveis, como a ocorrência de uma seca ou de praga numa região produtora, que pode ‘aquecer’ ou não o preço de um determinado produto agrícola.
Desequilíbrios em série – De qualquer modo, a pandemia acarretou desequilíbrios em série nas economias mundiais, ao produzir, tanto um choque de demanda – renda familiar comprometida, consumindo menos – quanto de oferta – paralisação de fábricas, mas também no comércio e nos serviços, a exemplo bares, restaurantes e salões de beleza. A questão é que, na primeira fase pandêmica, a recessão econômica acabou por ‘segurar’ a inflação, mas quando a atividade começou a se recuperar, a alta de preços acompanhou.
Gargalos na produção – Vendo pelo lado da oferta, ainda hoje a indústria enfrenta gargalos em suas cadeias de produção, assim como entraves no transporte marítimo e escassez de insumos. Pelo lado da demanda, o governo acionou medidas de transferência de renda, utilizando recursos públicos, um modelo aplicado em muitos países, tendo em vista mitigar a crise, e incentivar o consumo, ‘aquecendo’ a economia.
Choques de oferta – Ao contrário dos choques de oferta, que ocorreram, quase de forma simultânea em todos os países, o economista e professor da PUC-Rio, Luiz Roberto Cunha explica que a recuperação destes não seguiu a mesma regra.
Demanda por microchips – Pandemia à parte, outros fatores também tiveram sua contribuição para o quadro atual de crise, como os apontados pelo economista sênior da gestora de recursos Asset 1, Carlos Thadeu de Freitas Gomes, ao lembrar o caso da demanda aquecida por microchips, componente fundamental para a fabricação de veículos e eletrodomésticos.
Economia de baixo carbono – Outro fator destacado por Carlos Thadeu diz respeito à transição global para uma economia de baixo carbono, o que demanda o abandono das atuais matrizes energéticas, calcadas na exploração de combustíveis fósseis. Na prática, isso implicaria restringir, de forma crescente, os investimentos na produção de petróleo, gás e carvão, como também as perspectivas de oferta de curto prazo dessas matérias-primas, o que levou à elevação de preços.
‘Má gestão’ – Embora o avanço dos combustíveis, do gás de cozinha e da energia elétrica seja um fenômeno mundial, no Brasil, a alta da conta de luz (via uso emergencial de termelétricas, devido à crise hídrica nacional), por exemplo, decorre de um fenômeno climático previsível, segundo Thadeu. Isso porque, desde de 2019, o clima do país passou a ficar mais seco, por conta da Oscilação Decenal do Pacífico (PDO, na sigla inglês), que seria um ‘prolongamento’ do El Niño. Daí a conclusão, por parte do economista-sênior, de que houve ‘má gestão’ das autoridades no enfrentamento do problema, que agora poderá perdurar por longo tempo.
Combinação perversa – Mas como explicar que, ao contrário da maioria dos países exportadores de commodities, a taxa de câmbio no Brasil favorece o dólar? A resposta pode estar na combinação perversa do agravamento desequilíbrio fiscal, incertezas políticas e descontrole no combate à pandemia, que contribui, por fim, para reforça a aversão ao risco pelo investidor em potencial.
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