Economia
Precatórios podem engordar Renda Cidadã em R$40 bi, mas não são solução estrutural
A intenção apresentada nesta segunda-feira de engordar o Renda Cidadã com a instituição de uma trava ao pagamento dos precatórios no ano que vem poderia injetar cerca de 40 bilhões de reais ao programa de transferência de renda, mas não representaria uma solução estrutural para o problema.
A conta de precatórios representa o custo da União com processos em que sofreu derrota definitiva na Justiça, o que abarca indenizações, benefícios e devolução de tributos contestados.
Essas despesas têm crescido ano a ano e são obrigatórias, isto é, não podem ser canceladas pela União. Para 2021, o projeto de lei orçamentária anual (PLOA) previu que elas somarão 55,52 bilhões de reais.
Nesta manhã, o senador Marcio Bittar (MDB-AC), que é relator do PLOA no Congresso e da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do Pacto Federativo, afirmou que o presidente Jair Bolsonaro deu sinal verde para o Renda Cidadã ser custeado, em uma frente, com a limitação do pagamento de precatórios a 2% das receitas correntes líquidas.
No ano que vem, esse percentual representará cerca de 15 bilhões de reais, segundo a Consultoria de Orçamento da Câmara dos Deputados. Ou seja, com a instituição da trava, a obrigação do governo com o pagamento de precatórios cairia em 40,5 bilhões de reais, montante que poderia então ser direcionado ao Renda Cidadã.
Haveria respeito à regra do teto de gastos, já que uma despesa estaria deixando de ser feita para que outra fosse executada. Mas o estoque de precatórios continuaria existindo, tendo apenas seu pagamento postergado, com a obrigação de ser feito posteriormente com a devida correção.
Ainda que esta represente uma maneira de não criar gastos adicionais no Orçamento de 2021, ela não sinaliza nenhum compromisso com a consolidação fiscal, mas apenas um arranjo para acomodar o crescimento do Bolsa Família, cujo orçamento no ano que vem havia sido estipulado pela equipe econômica em 34,858 bilhões de reais, para contemplar 15,2 milhões de famílias.
Bolsonaro já havia indicado a intenção de vitaminar o programa, aumentando tanto seu benefício médio –atualmente em torno de 190 reais– quanto o número de beneficiários, principalmente após colher os louros políticos do auxílio emergencial que vem sendo pago neste ano por conta da crise com o coronavírus.
Mas o presidente vetou a investida original da equipe do ministro Paulo Guedes de canalizar para o Bolsa Família recursos de outros programas considerados menos eficientes, como o abono salarial e o seguro-defeso, sob o argumento de que não tiraria dos pobres para dar aos paupérrimos.
Na mesma linha, Bolsonaro barrou a intenção aventada pela equipe econômica de congelar o valor dos benefícios previdenciários para abrir espaço no teto de gastos para o novo programa, até então chamado de Renda Brasil.
No Twitter, o diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente do Senado (IFI), Felipe Salto, afirmou que “limitar pagamento de precatórios é eufemismo para dizer que se empurrará com a barriga um pedaço relevante dessas despesas”, que são obrigatórias.
“Não se cancelou um centavo de gasto”, escreveu ele.
Já o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Bruno Dantas avaliou que a investida “parece truque para esconder fuga do teto de gastos” ao reduzir a despesa primária de forma artificial.
“(…) A dívida não desaparece, apenas é rolada para o ano seguinte. Em vez do teto estimular economia de dinheiro, estimulou a criatividade”, disse ele, também no Twitter.
O senador Bittar indicou nesta segunda-feira que outra fonte para bancar o Renda Cidadã será o uso pelo Executivo de até 5% do novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), proposta que já foi alvo de polêmica durante a tramitação da PEC que tornou permanente o Fundeb meses atrás. Isso chegou a ser discutido, mas não foi levado adiante.
“Não pagar precatórios para financiar aumento de gastos é muito parecido com calote, a conferir. Usar o Fundeb para bancar o Bolsa Família com outro nome é driblar o teto, sem mais”, disse o economista e professor da Universidade de Brasília (UnB) Roberto Ellery, no Twitter.
Os recursos do governo federal para o Fundeb não entram no cálculo da regra do teto de gastos. Em agosto, o Congresso promulgou PEC que torna o fundo permanente, com elevação da parcela da União no fundo dos atuais 10% para 23% em seis anos.
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